NGUNGUNHANA, O ÚLTIMO IMPERADOR DE GAZA


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1. Ngungunhana, o leão de Gaza
Ngungunhane, Mdungazwe Ngungunyane Nxumalo, (Gaza, c. 1850 — Angra do Heroísmo, 23 de Dezembro de 1906) foi o último imperador do Império de Gaza, no território moçambicano e último monarca da dinastia Jamine/Lhamine. Nasceu por volta de 1850, no território de Gaza algures entre os rios Zambeze e Incomati, mas muito provavelmente nas margens do rio Limpopo, região onde o centro do poder angune então se situava. Era filho de Muzila, que seria depois rei de Gaza de 1861 a 1884, e de Yosio, cujo nome, após a sua morte, foi substituído por Umpibekexana. O pai era filho e sucessor de Manicusse que, à frente de um exército vindo da Zululândia, tinha fundado o Império de Gaza. É considerado Leão de Gaza ou Simplesmente Ngungunhane, dada sua bravura e pujança. O seu reinado estendeu-se de 1884 a 28 de Dezembro de 1895, dia em que foi preso por Joaquim Mouzinho de Albuquerque na aldeia fortificada de Chaimite. Já conhecido pela imprensa europeia, a administração colonial portuguesa decidiu condená-lo ao exílio em vez de o mandar fuzilar, como fizera com os outros. Foi transportado para Lisboa, acompanhado por um filho de nome Godide e por outros dignitários. Após uma breve permanência naquela cidade, foi desterrado para os Açores, onde viria a falecer onze anos mais tarde.
Mudungazi ou simplesmente Ngungunhane nasceu numa sociedade complexa e num período de grande instabilidade social e política. O seu avô, Soshangane ou Manicusse, era rei (Nkosi) de um povo de língua nguni, depois denominado pelos portugueses como angune ou vátua, líder incontestado de um poderoso exército que ao longo das década anteriores, na sequência do desencadear do Mfecane, migrara para o Norte a partir da Zululândia, submetendo ao longo da década de 1820 cerca de duas centenas de tribos, cujos chefes passaram a ser seus régulos vassalos.
Após terem partido das suas terras ancestrais no território da actual África do Sul, os guerreiros Ngunes liderados por Soshangane moveram-se incessantemente pelos territórios sitos entre os Rios Maputo e Zambeze, esmagando os povos autóctones e no processo fundando um império a que deram o nome de Gaza, que na fase inicial ocupava cerca de 56 000 km².
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2. Ngungunhana e o exército português
Com a chegada dos Nguni, o relativo sossego em que tinham vivido os povos locais e os comerciantes portugueses estabelecidos ao longo da costa moçambicana foi rudemente quebrado com sucessivos massacres e a submissão forçada a um novo poder, criando-se um clima de insegurança e medo que permaneceria durante décadas. Após um deambular de quase vinte anos, o centro do poder Ngune estabeleceu-se em torno do vale do rio Limpopo, região onde Soshangane, agora com o seu nome mudado para Manicusse, fundou a aldeia de Chaimite e aí fixou a sua capital.
Sendo uma das presenças europeias mais antigas naqueles territórios, Portugal resolveu enviar em Agosto de 1840 uma embaixada à corte de Manicusse. A delegação era chefiada pelo alferes Caetano dos Santos Pinto e tinha instruções para estabelecer um tratado de amizade, entregando uma espada e uma banda ao rei em troca de uma zagaia e de um escudo. A embaixada foi recebida, mas Manicusse declarou que, no momento, ignorava a vantagem que lhe poderia advir de um tratado de amizade com o rei de Portugal, conforme consta do relatório, datado de 18 de Novembro de 1840, que foi apresentado pelo alferes Caetano dos Santos Pinto e registado pelo escrivão da Fazenda Nacional em Inhambane João Caetano Dias. Mesmo assim, a espada foi trocada pela zagaia, mas os ataques continuaram.
Quando Manicusse morreu, em 1858, a disputa pelo trono travou-se entre dois contendores principais: Muzila, o pai de Mundagaz, e Mawewe, seu tio. Após uma breve contenda armada, saiu vitorioso Mawewe, que decidiu, em 1859, atacar os seus irmãos para ganhar mais poder. Apenas Muzila conseguiu fugir para o Transvaal, onde organizou um exército para atacar o irmão. Provavelmente Mundagaz terá seguido o seu pai para o exílio, escapando à tentativa de destruição da sua linhagem que se seguiu.
Com Mawewe a revelar-se ainda mais agressivo que seu pai e predecessor, os portugueses, bóeres e muitos outros líderes tribais que se sentiam ameaçados pela dominação Ngune uniram-se contra ele. Sentindo também a ameaça, o presidente da República Bóer do Orange oficializou a 29 de Abril de 1861 ao vice-cônsul de Portugal propondo uma aliança formal contra Mawewe, a qual foi aceite com relutância. Entretanto, estas reticências desaparecem quando Mawewe exigiu que a colónia de Lourenço Marques lhe passasse a pagar tributo sob a forma de calçado, incluindo mesmo uma cláusula que impunha que as mulheres grávidas pagassem um duplo tributo. E tudo isto sob a ameaça de, em caso de recusa, mover uma guerra de extermínio contra os interesses portugueses na região. Onofre Lourenço de Paiva de Andrade, então governador da praça de Lourenço Marques, respondeu enviando um cartucho e dizendo que aquela seria a forma de pagamento do tributo.

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3. Ngungunhana e suas esposas
Estava declarada a guerra e, a 2 de Novembro de 1861, chegaram a Lourenço Marques enviados de Muzila, que aceitam o apoio português na contenda a troco de vassalagem. A partir daí, Muzila assumiu-se como rei e a guerra ganhou ímpeto. A batalha decisiva travou-se em finais de Novembro de 1861, numa linha de quase quatro léguas entre as praias da Matola e as terras de Moamba. Apesar de ter menos homens, Muzila saiu vencedor e a 30 de Novembro apresentou-se no presídio de Lourenço Marques, sendo amigavelmente recebido pelo governador. A 1 de Dezembro de 1861 foi celebrado um tratado em que Muzila se declarava súbdito português e feita uma acta, que depois de aprovada pelo governo português, seria publicada por portaria de 18 de Fevereiro de 1863 de José da Silva Mendes Leal, então Ministro da Marinha e Ultramar, e incluída no n.º 4 da publicação Termos de Vassalagem (1858-1889).
Uma nova e decisiva vitória de Muzila numa batalha travada a 16 de Dezembro de 1861, na região do Maputo, consolidou a aliança. No processo Portugal forneceu a Muzila 2 000 espingardas, 50 000 cartuchos e 1 200 pederneiras, além do apoio bóer e de intermediação com os líderes locais, que preferiam submeter-se à suserania distante do rei de Portugal do que hegemonia local de Mawewe.
No início da década de 1880, quando o reinado de Muzila se aproximava do fim, a pressão europeia cresceu rapidamente. As expedições eram cada vez mais frequentes e penetravam cada vez mais profundamente no território de Gaza. As pressões para que fosse autorizada a exploração de recursos minerais também cresciam. Mantendo uma política de equilíbrio estratégico com os interesses portugueses, a 27 de Janeiro de 1882 Muzila, acompanhado por duas mangas das suas tropas, visitou Lourenço Marques, prestando vassalagem e justificando os conflitos registados em Inhambane. Foi recebido com todas as honras pelo governador, que lhe ofereceu bois, arroz e aguardente. Pouco depois, em meados daquele ano, pediu mesmo uma bandeira portuguesa para hastear no seu acampamento.
Durante o reinado de Muzila, o seu filho Mundagaz, o futuro Gungunhana, foi progressivamente ganhando importância, convertendo-se numa das principais figuras da sua corte. Quando o pai morreu, não sendo o herdeiro legítimo, posição que recaía sobre o seu meio-irmão Mafemane, cuja mãe era a esposa principal (Nkosicaze) de Muzila, geraram-se algumas escaramuças fratricidas que resultaram com a morte do herdeiro principal. Foi assim que em finais de 1884, em Mossurize, Mundagaz ascendeu ao trono nguni, passando a designar-se por Ngungunhane, Gungunyane ou Gungunhana, o filho de Muzila e o leão de Gaza.

O reinado do Imperador Ngungunhane (1884-1895)

Governando um território com cerca de 90 000 km² e com mais de milhão e meio de habitantes, Ngungunhane fixou a sua corte em Manjacaze, desde 1884 tornada capital de Gaza. Com cerca de 34 anos, o jovem rei iniciou a sua governação num momento crítico para a África, coincidente com a realização da Conferência de Berlim (15 de Novembro de 1884 — 26 de Fevereiro de 1885), não admirando pois que o relacionamento com os europeus, em especial com os portugueses, constasse das suas prioridades governativas. Foi assim que logo em Janeiro de 1885 contacta as autoridades portuguesas em Chiloane, enviando um presente e anunciado a sucessão. Tal foi visto como uma oportunidade de reforçar a presença portuguesa juntos dos Ngune, ou vátuas, como então eram designados.
Entretanto, o território de Moçambique é então cobiçado pela Grã-Bretanha e pela Alemanha, mas o governo português age com rapidez, face à muito provável perda do território. Logo em 1886, o Ministro dos Estrangeiros, Henrique de Barros Gomes, assina com o chanceler alemão Otto von Bismarck o tratado da delimitação das colónias dos dois países a que, em 1887, é anexado o mapa cor-de-rosa onde Angola e Moçambique estão unidos com esta cor. Todo este território é acordado passar para a soberania portuguesa, nele se incluindo o Império de Gaza.
Neste contexto e face à crescente presença britânica e bóer no território, em particular a passagem pela região do general britânico Charles Warren com 5 000 homens armados, o governo português decide, finalmente, aproveitar a boa vontade do novo régulo e nomear um residente português junto da corte de Ngungunhane, um misto de oficial de ligação, embaixador e conselheiro político, a escolha recaiu sobre José Casaleiro de Alegria Rodrigues, mais conhecido por Casaleiro Alegria, um aventureiro com larga experiência na região, onde já fora militar, comerciante e funcionário público. A escolha foi controversa e gerou invejas e descontentamentos que teriam larga influência nos acontecimentos subsequentes.
Face às crescentes exigências e cada vez maior número de estrangeiros nas suas terras, Ngungunhana sente-se ameaçado, num balanço precário entre as diversas forças em presença, nomeadamente a portuguesa e a britânica, e a constante ameaça de dissensão interna face à existência de pretendentes ao trono no exílio.
Por esta altura Ngungunhana decide mudar a sua capital de Mossurize para Cambane, aí criando uma nova Manjacaze (Mandlakasi), cerca de 600 km a sul, num movimento que desencadearia novas resistências e propiciaria novas guerras, já que o local escolhido se situava muito próximo de territórios controlados por povos considerados inimigos. A razão da mudança prende-se com a tentativa de melhor aproveitar as rivalidades das potências europeias e defender a independência em relação aos portugueses, aliviando as suas pretensões sobre as minas de Manica e consolidando a soberania Nguni. Por essa altura Ngungunhane tenta o apoio dos ingleses e de Cecil Rhodes.
Esta situação leva a uma complexa teia de compromissos, regularmente quebrados e reassumidos, em que os ataques aos interesses portugueses se seguem as desculpas e os protestos de amizade. As embaixadas sucediam-se, mas os conflitos não paravam, com ataques constantes contra povos que se tinham colocado sob a protecção portuguesa.
Um momento de viragem nesta relação surge em consequência do ultimato britânico de 11 de Janeiro de 1890, o qual impõe a retirada imediata das forças portuguesas na região do rio Chire (Niassalândia) e das terras dos macololos e dos machonas do Zimbabwe. Em caso de desobediência, o governo britânico ameaça Lisboa com bloqueio naval e acção armada. O rei D. Carlos I de Portugal apressa-se a comunicar a Londres, no próprio dia do Ultimato, que ele e o governo português cedem às exigências. Mas face à onda patriótica e nacionalista de repúdio que se desencadeou, a administração colonial portuguesa muda de posição: deixa de se falar em acordos e em cooperação para se falar em submissão e plena vassalagem, a chamada pacificação, mesmo que tal implicasse a intervenção armada e o derrube dos régulos menos cooperantes.
Esta linguagem ganha nova acutilância com a chegada em 1891 de Joaquim Mouzinho de Albuquerque, um oficial do exército monárquico e nacionalista, ao posto de governador de Lourenço Marques. Nos dois anos em que permaneceu no cargo (1891-1892) deu-se um rápido endurecimento nas relações com os povos africanos circundantes, desaparecendo a tendência para a contemporização que tinha caracterizado a presença portuguesa nas décadas anteriores.
Entretanto, os britânicos, e particularmente o todo poderoso Cecil Rhodes, da British South Africa Company, elegem a região de Gaza e o porto de Lourenço Marques como objectivos estratégicos para o escoamento das matérias-primas do Transvaal. Paralelamente surgem os interesses das três grandes concessionárias que usufruem do poder quase absoluto nos imensos territórios que exploram, a Companhia do Niassa, a Companhia da Zambézia e a Companhia de Moçambique, isto num período em que nas palavras do insuspeito Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque a ocupação na província de Moçambique resumia-se de facto a uma estreita faixa do litoral, à excepção de alguns pontos isolados do interior.
Portugueses, ingleses, colonos sul-africanos e representantes das companhias concessionárias procuram atrair de diversas formas Ngungunhane para os seus interesses. O governo português instala um intendente-geral na corte, lugar previsto no tratado de Outubro de 1885. Cecil Rhodes obtém de Ngungunhane, a troco de um milhar de espingardas, munições e de um subsídio anual em dinheiro, a concessão de exploração de minérios e o acesso ao mar. Ngungunhane recebe uma taça em prata, oferta da rainha Vitória do Reino Unido.
Ngungunhane é surpreendido pela rapidez dos acontecimentos e pela radical alteração do comportamento português. Decide então, mais uma vez, jogar no conflito entre Londres e Lisboa, mas fica sem resposta o seu pedido de protecção à rainha Vitória do Reino Unido. Sem que ele o soubesse, os governos português e britânico tinham chegado a acordo na delimitação dos territórios africanos, rubricando em Junho de 1891 um entendimento onde Gaza fica, sem margem para dúvidas, no interior do território de Moçambique. O imperador é intimado a assumir-se como súbdito de Portugal, deixando de poder esperar apoio britânico.

As últimas tentativas de reconciliação e a ruptura

Entretanto desencadeiam-se as últimas tentativas diplomáticas junto de Ngungunhane, que ao receber a vassalagem dos povos das Terras da Coroa se apressara a informar que qualquer ataque contra eles seria considerado como um ataque às suas forças. Com o regresso a Moçambique do conselheiro José Joaquim de Almeida, em quem Ngungunhane confiava e com o qual tinha mantido um longo e complexo relacionamento diplomático, a 20 de Abril de 1895 realiza-se em Manjacaze uma última reunião entre uma delegação portuguesa e Ngungunhane. A reunião corre mal, com o comandante militar do Limpopo, que era também o chefe da delegação, a abandonar a reunião por se considerar desrespeitado. Apesar dos esforços de José de Almeida, os tempos eram outros com a nova inflexibilidade portuguesa, agora segura face ao acordo britânico, a já não permitir os costumados acordos.
Mesmo assim, e numa clara estratégia de ganhar tempo enquanto aguarda uma resposta britânica ao seu pedido de apoio, Ngungunhane mantém o residente português e chega mesmo a enviar uma delegação a Lourenço Marques. Esta delegação parte a 24 de Maio de 1895 e oferece dinheiro e marfim ao Comissário Régio António Enes, que recusa os presentes. Fala aos emissários de forma ameaçadora e declara que o rei de Portugal está furioso.
Em resposta aos emissários de Ngungunhane, a 14 de Julho de 1895, António Enes produz um ultimato em que exigia a entrega dos dois chefes revoltosos que se haviam refugiado em Gaza. Ngungunhane recusou fazê-lo e ameaça que irá procurar protecção debaixo de outra bandeira, aludindo aos britânicos. A 28 de Agosto de 1895 é reiterado o ultimato e são rejeitados as últimas propostas de Ngungunhane. Este foi o pretexto oficial para o ataque que os portugueses preparavam cuidadosamente desde a chegada de António Enes a Moçambique. Estava declarada a guerra.
Lisboa dá instruções claras, lembrando a António Enes que tudo o que não fosse o aniquilamento total de Gungunhana não corresponderia aos sacrifícios pesadíssimos que o país tinha feito. O plano de ataque contra Ngungunhane e de penetração no interior utilizava largamente as vias fluviais dos rios Incomáti, Limpopo e Inharrime. As tropas portuguesas deviam avançar em três colunas: uma ao longo do Incomáti, outra pelo rio Limpopo e uma terceira descendo de Inhambane pelo rio Inharrime. O ponto de encontro destas três colunas seria na região de Manjacaze, onde residia Ngungunhane. A coluna mais forte era a de Inhambane.
Entretanto, depois do combate de Marracuene, as forças rongas tinham-se reorganizado em Magul, chefiadas também por Nwamatibjana Zixaxa Mpfumo e seu primo Mahazul chefe dos Mabjaias. E foi com estas forças que se deu o primeiro confronto quando a 7 de Setembro de 1895 a coluna do Incomáti, comandada por Alfredo Augusto Freire de Andrade, se encontrou com as tropas de Nwamatibjana e de Mahazul na planície de Magul.
Como sempre, os guerreiros africanos lançam-se em formação de meia lua contra as metralhadoras e peças de artilharia. A desproporção do poder de fogo é enorme. As tropas de Matibejane e Mahazul cercaram o quadrado mas não conseguiram penetrar nele e depois de duas horas de combate tiveram que recuar. São dizimados, abandonando cerca de 400 mortos, contra apenas 5 soldados brancos abatidos.
Foi uma grande derrota para Nwamatibjana e Mahazul, depois de Magul os portugueses incendiaram todas as povoações circunvizinhas, espalhando o terror e intimidando todos os chefes da região, muitos dos quais vieram realmente prestar vassalagem aos portugueses. Ngungunhane, mais uma vez, não quis intervir em auxílio aos seus aliados rongas. Aguardava ainda uma ajuda britânica e uma conciliação que as condições políticas em Portugal já não permitiam. Entretanto, o seu exército de cerca de 40 000 homens, que havia sido chamado no ano anterior, começava a desmobilizar, vítima da fome e da necessidade de voltar às suas aldeias para proceder às sementeiras.
Depois desta nova derrota, o imperador Nguni ainda tenta negociar com o Comissário Régio e envia mais emissários a Durban e à Cidade do Cabo, na esperança de obter auxílio britânico e nada consegue.
Agora já em confronto directo com Ngungunhane e com as forças do Império de Gaza, António Enes manda o coronel Eduardo Galhardo, à frente de 600 oficiais e soldados portugueses e 500 auxiliares africanos, tomar a capital Nguni. A coluna está equipada com 38 carros de combate e seis canhões.
Já muito enfraquecido pelo tempo e pelas suas próprias indecisões, aparentemente ainda acreditando que a atitude portuguesa será a de sempre, não concretizando as ameaças, Ngungunhane contava então com apenas 13 mil homens, o que não chega a um terço do que, poucos anos antes, recrutaria sem dificuldade. O seu poder absoluto está claramente enfraquecido. Vários régulos, entre os quais três tios do imperador, não se apresentam para a batalha. Magigwani, o reputado comandante-chefe das mangas Nguni parte para Bilene, em busca dos reforços que nunca chegaram.
O confronto acontece em Coolela, a 7 de Novembro de 1895. A táctica repete-se com o quadrado, o arame farpado, as metralhadoras, os canhões e a nova carabina de repetição austríaca Kropatscheck, que tinha substituído a velha espingarda Snider-Enfield. Os regimentos de Ngungunhane foram esmagados. Morreram cinco soldados europeus, contra muitas centenas de baixas entre os guerreiros de Gaza.
Antes de encetar a fuga de Mandlakasi, Ngungunhane reúne-se com os conselheiros e acusa tios e primos de traição pela ausência na frente de combate. Está decidido a entregar-se aos portugueses e a solicitar clemência, mas continua preso numa teia de indecisões que lhe não permitem uma rápida resposta à nova situação. Aparentemente aguardava ainda que os portugueses voltassem às antigas tergiversações. A capital de Gaza, Manjacaze, ficava apenas a 7 km de Coolela. Estava aberto o caminho para a sua queda em poder dos portugueses.
A 11 de Novembro de 1895, uma coluna militar portuguesa de 700 homens, comandada pelo coronel Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo, entra sem séria oposição em Manjacaze, capital do império de Gaza e sede formal do poder de Ngungunhana. Encontram o kraal abandonado, com a quase totalidade da população em fuga.
Galhardo ordena a pilhagem da povoação pelas suas tropas auxiliares africanas e, depois de despojada de todos valores e devidamente inspeccionada, procede ao seu incêndio. Dadas as características das construções, depois do incêndio pouco restou do povoado.
Ngungunhane entretanto refugiara-se em Chaimite, a aldeia sagrada onde está a campa do seu avô Manicusse, fundador do Império de Gaza. Ali oferece sacrifícios humanos ao avô e a outros antepassados em procura de protecção divina.
Face a esta vitória, o Comissário Régio António Enes decide a captura ou a morte de Ngungunhana, pretendendo cumprir a promessa feita aquando da sua partida de Lisboa e pôr término ao receio de que o régulo pudesse reorganizar os seus exércitos e restabelecer a sua base de poder entre os povos Nguni e seus aliados. Para tal confere plenos poderes ao major de cavalaria Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque, nomeando-o, a 10 de Dezembro, governador de Gaza, território que passa entretanto a constituir um novo distrito militar da colónia.
Mantendo contactos indirectos com o tenente Álvaro José de Sousa Soares de Andrea, comandante da lancha-canhoneira Capelo, apelidada estimela por ser a vapor (steam em inglês), que então cruzava as águas do Limpopo, Ngungunhane, pressentindo a derrota, procura aplacar os portugueses. A 13 de Dezembro resolve entregar em Chissano, Gaza, o príncipe ronga Nwamatibjana Zixaxa Mpfumo, que, perseguido pelos portugueses, se acolhera sob a sua protecção. Com esta decisão, aliena parte dos seus aliados, os quais a partir daí já não se sentem seguros sob a sua protecção e se apressam a prestar vassalagem aos portugueses. Como nem esse gesto consegue pôr termo ao conflito, resolve render-se, facto que foi sabido na Capelo nas vésperas do Natal de 1895.
Mouzinho de Albuquerque, que estava então a bordo da Capelo, percebe este gesto de desespero do Leão de Gaza mas, em vez de desistir da perseguição, sente-se encorajado pelos sinais de fraqueza do adversário. No seu Relatório sobre a prisão do Ngungunhana escrevera: tinha-se enraizado no meu espírito a ideia de que eu havia de prender ou matar o Ngungunhana.
Encorajado pela crescente onda de vassalagens que vai conseguindo dos líderes tribais da região, incluindo alguns tios de Ngungunhane, numa decisão verdadeiramente temerária, aparentemente inspirada pelo bravado a que seria atreito, algum álcool e principalmente pelo conhecimento de que Ngungunhana já tinha decidido entregar-se, Mouzinho de Albuquerque parte no dia de Natal com o objectivo de proceder à captura de Ngungunhana, apenas acompanhado por dois tenentes, um médico, 49 praças portuguesas e duas centenas de auxiliares africanos. Nos três dias de marcha forçada que se seguem, juntam-se-lhe vários régulos que se oferecem para combater o monarca Nguni. O único apoio possível são as forças da Marinha da canhoneira fluvial Capelo, que permanece em posição no Limpopo a aguardar o desfecho.
Sabendo-se perseguido, mas não sabendo a verdadeira força da coluna que marcha em sua direcção, por duas ocasiões Ngungunhana envia emissários ao encontro de Mouzinho com presentes e juras de amizade e arrependimento, para a coluna não avançar mais. Manda entregar-lhe uma vez 560 libras de ouro e alguns dentes de marfim, noutra é o próprio filho primogénito Godide quem traz mais 510 libras de ouro e 63 búfalos.
Não se detendo, na madrugada de 28 de Dezembro de 1895, Mouzinho de Albuquerque chega frente às paliçadas de Chaimite. Perante a proximidade de Ngungunhana, os homens dos régulos dissidentes recusam-se a progredir no terreno, tal é o terror que o imperador ainda lhes provoca. Noutra decisão tão temerária quanto inesperada, Mouzinho de Albuquerque, às 7 horas da manhã, resolve entrar na aldeia por uma estreita abertura da cerca, por onde caberia apenas um homem, no que é seguido pelos soldados brancos. A ousadia resulta em cheio: surpresos e atemorizados, os cerca de 300 guerreiros da manga Zinhone Muchope (Aves Brancas), armados de espingardas, o último reduto de defesa de Ngungunhana, não esboçam qualquer resistência e fogem. Esta fuga resultou de saberem que Ngungunhane se iria entregar, facto conhecido havia já alguns dias. Com Ngungunhane capturado e humilhado, Mouzinho de Albuquerque ordena o fuzilamento imediato e sem julgamento do conselheiro (induna) Mahune e de Queto, um tio do imperador, os quais considera como sendo os principais instigadores da rebelião. Não contente com o fuzilamento, ainda manda que o coração dos mortos seja trespassado por uma espada, no que usam a espada de Soares de Andrea, já que o tenente Sanches de Miranda tinha esquecido a sua espada antes de embarcar na Capelo e quando desembarcou em Zimacaze tinha pedido emprestada a arma do comandante do navio. Pelas 10h estava terminada a destruição de Chaimite, e a coluna partiu de volta à Capelo trazendo os prisioneiros. A forma como Ngungunhane foi preso, o fuzilamento e a profanação dos cadáveres de Mahune e Queto e toda a mítica de heroicidade que depois se criou em torno do incidente de Chaimite, em particular no período do Estado Novo, deu origem a sucessivas polémicas, com leituras díspares sobre o mérito dos eventos. Logo em 1896 foi publicado no Boletim Oficial do Governo Geral da Província de Moçambique (n.º 9, Suplemento) e depois no Diário do Governo (n.º 63, 1896) um longo relatório dos eventos, da autoria de Mouzinho de Albuquerque, onde a tónica dominante é a heroicidade portuguesa e a perfídia vátua. Visão totalmente diversa é a de Soares de Andrea, que no seu longo relatório intitulado A Marinha de Guerra na Campanha de Lourenço Marques contra o Ngungunhana 1894-1895, publicado nos Anais do Clube Militar Naval de 1897-1898, apelida o evento de Chaimitada e tenta desmascarar a heroicidade de Mouzinho de Albuquerque como uma mera operação temerária perante um adversário que já se tinha efectivamente rendido.

Bibliografia

  • TOSCANO, Francisco, QUINTINHO, Julião, A Derrocada do Império Vátua e Mousinho de Albuquerque, Lisboa, 1930.
  • KHOSA, Ungulani Ba Ka, Ualalapi. Caminho, Lisboa 1990
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